28 julho 2011

Pública agonia da morte anunciada

Nossa sociedade judaico cristã elogia o mártir, glamouriza a dor, super estima o sofrimento de tal modo que chega a ser sádica. Que a tragédia é campeã nas manchetes nós sabemos mas é triste demais assistir a morte de uma jovem talentosa como Amy Winehouse que apesar de ser rica e famosa (ideal de vida de muita gente), se matou. A moça de linda voz que podia tudo, parece que nos disse com sua existência, que a vida lhe doía insuportavelmente e que mesmo tendo aonde soltar seu canto, estourou como as cigarras. Beber até desmaiar pode nos dizer que aquele ser não suporta estar diante da vida e de seus conteúdos intensos sem estar para esta mesma vida anestesiado. Da mesma anestesia parecia precisar o nosso Michael Jackson cujos analgésicos eram condição sine qua non para que nosso astro internacional pudesse “levar” a vida. A ilusão de poder irrestrito que a fama e o dinheiro nos fazem crer que temos deixa uma lacuna que nos prova sua ineficiência: por que se matar se se pode ter tudo o que se quer? Não se pode ter tudo, é bom esclarecer. E me chama especial atenção que apesar da possibilidade econômica de poderem se tratar nas melhores clinicas do mundo e de terem a seu dispor melhores profissionais da saúde, esses pobres heróis sucumbem em praça pública sob os aplausos de seus fãs e ninguém percebe a doença grave exposta a todos. Ninguém vê a ferida aberta, a angústia espumante à nossa frente. Não sabemos da intimidade verdadeira da vida de Amy, mas imagino que devesse até interessar a alguns sua crônica embriaguez , a falta de noção para fazer contas ou cuidar dos limites que também circundavam sua arte. Com mente confusa é mais fácil ser explorado, usado, roubado. Porque a deixavam entrar em cena assim? Cadê o produtor, o amor, a família, os amigos? No imenso palco de sua solidão voraz a moça agonizou e sua não secreta agonia teve cumplices sórdidos. Talvez sua grana calasse a boca dos que viam o abismo cada vez mais irreversível para onde ela caminhava e não a advertira nem dela cuidara, para não perder a mordomia, para não contrariar a rainha e ganhar seu desafeto ao invés de caros e desmedidos agrados. Não posso afirmar, porque não vi acontecer, mas não duvido nada que até nas inúmeras clínicas pelas quais passara, não tenha aparecido um enfermeiro ou médico que, diante de suas ofertas irresistíveis e ilimitadas, ou mesmo por um simples autógrafo, não lhe tenha deixado de oferecer suas doses proibidas ali dentro.

 Quando Cássia Eller morreu, fiquei viúva dela. Sofri como um parente. Chorava inconsolável lamentando a injusta morte prematura de uma tímida maravilhosa , que saiu de um barzinho com um banquinho e um violão pra virar pop star. De repente se dera conta que aquilo, do jeito que acontecia, não era pra ela, era demais pra sua alma imprevisível o competitivo mercado e suas cruéis exigências. Cássia cheirou, chorou desesperada, bateu a cabeça na quina da madrugada e a gente não fez nada. Da mesma maneira vimos Amy gritar seu desespero: em junho fora vaiada na Sérvia por estar muito bêbada em cena, sem ter noção de que estava ali para oferecer um produto (sua voz bela e belas canções) para quem tinha pago pra vê-la. Em três dias da semana de sua morte bebera, mamara sua vodca até desmaiar. Era o seu canto mudo , seu grito de socorro desesperado que o mundo não escutou. Estávamos ocupados em cultuar sua dor.

Elisa Lucinda [sempre linda]